PALESTRAS PROFERIDAS DURANTE O SEMINÁRIO DA COMISSÃO OCEANOGRÁFICA INTERGOVERNAMENTAL (COI/GLOSS) SOBRE OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DO NÍVEL DO MAR  EXTRATO DO RELATÓRIO DOS REPRESENTANTES DA MARINHA DO BRASIL NO SEMINÁRIO

Capitão-de-fragata: Frederico Antonio Saraiva Nogueira. Ministério da Marinha, Diretoria de
Hidrografia e Navegação. R. Barão de Jaceguai, s/n Ponta da Areia, Niterói, RJ, Brasil. CEP.
24048-900

Primeiro-tenente: Ana Claudia de Paula. e-mail: anadepaula@iname.com

Apresenta-se um resumo das principais palestras desenvolvidas durante o Seminário/Taller da COI/GLOSS sobre Observação e Análise do Nível do Mar para os países de língua hispano-portuguesa da América Latina, realizado na Argentina, entre os dias 19 e 27 de novembro de 1996, nas dependências do Estado Mayor General de La Armada, do Serviço de Hidrografia Naval (SHN) e do Instituto Tecnológico de Buenos Aires (ITBA).

1 - Previsão maregráfica no Rio da Prata

Este foi o título da palestra proferida pelo Agrimensor Julio Junot, lotado na Seção de Marés do SHN, e responsável pela emissão dos boletins de previsão maregráfica para os portos de Buenos Aires e outros nas proximidades. Esses boletins são emitidos três vezes ao dia nos horários de 10, 16 e 22 horas, sendo válidos para as doze horas subseqüentes. A necessidade de sua emissão se fundamenta na influência significativa dos fatores meteorológicos sobre a maré astronômica do Rio do Prata. Seus "clientes" principais são as agências de navegação, a Praticagem da Recalada e as autoridades de Defesa Civil de Buenos Aires, La Plata e Tigre.

As alturas de Maré são calculadas por meio de um modelo numérico que considera a maré astronômica prevista, as condições de vento e pressão atmosférica na entrada do estuário e informações horárias do nível do rio a partir da estação maregráfica de Buenos Aires, transmitidas em tempo real, por linha telefônica, para o SHN. O modelo simula a propagação da onda de maré para o estuário do Rio da Prata. Eventualmente são emitidos boletins extraordinários informando elevações anormais oriundas de represamento das águas do estuário a partir de fortes ventos de Sudeste ("Sudestadas").

2 - Sistema de posicionamento global (GPS)

O Engenheiro e Geodesista que proferiu a palestra, Sr. Frederico Mayer, é funcionário do SHN, além de professor na Universidad Nacional de La Plata e no Instituto Tecnológico de Buenos Aires. Compõe a representação argentina em alguns grupos colegiados internacionais, tais como a Associação Internacional de Geodesia (IAG), Federação Internacional de Geometras, dentre outras.

Iniciou sua apresentação discorrendo sobre os sistemas de posicionamento por satélite GPS e GLONASS (Global Navigation Satelite System, de origem russa). Prosseguiu descrevendo a evolução e consolidação dos sistemas de referência para o posicionamento geodésico e a contribuição do Sistema de posicionamento geocêntrico, a origem das coordenadas se localiza no centro de massa terrestre, o que se tornou possível somente com a utilização de satélites de posicionamento (DGPS) e com o desenvolvimento dos estudos de Gravimetria. Tornou-se necessário evoluir com o próprio conceito de "posição". Latitude, Longitude, Altura, agregados ao sistema de referência e ao elipsóide não são suficientes para diversos usos, entre eles o monitoramento preciso e de longo período do nível médio do mar. A partir de 1990, para algumas aplicações, tornou-se necessário introduzir a variável "tempo", ou seja, a época se refere o geóide utilizado. É o conceito de Geodesia em 4 dimensões. Esse procedimento foi adotado para minimizar imprecisões de fenômenos pouco conhecidos da comunidade científica:

I) marés terrestres, oscilações verticais das placas tectônicas devido a forçantes astronômicas. (A escala de tempo das oscilações é diária, e sua amplitude pode chegar a 18 cm);
II) mudanças na rotação da terra;
III) variações na posição de centro de massa da Terra;
IV) movimentos de placas tectônicas; e
V) variações não periódicas do nível do mar.

Foi criado, então, o Sistema Terrestre Convencional (Conventional Terrestrial System - CTS) e, para apoiá-lo, a Estrutura Internacional de Referência Terrestre ( International Terrestrial Reference Frame - ITRF).

A necessidade da existência do ITRF se verificou após a implantação, pela União Geodésica e Geofísica Internacional (IUGG), do Serviço Internacional de Rotação Terrestre (IERS), em 1988. Passaram a ser utilizadas tecnologias mais avançadas que a Astrometria ótica angular, entre elas:

VLBI - "Very Large Base Interferometry";
SLR - "Satelite Lases Range; e
LLR - "Lunar Laser Range".

Durante o biênio 1990-1991, as medições VLBR, SLR e LLR passaram a ser completadas por GPS por meio de um serviço denominado "International GPS Geodinamic Service" (IGS). Essas medições são importantes para monitorar os movimentos das placas tectônicas e, em escala global, para o acompanhamento preciso das variações do nível médio do mar.

O palestrante aproveitou a oportunidade para informar que a Argentina possui, desde 1995 uma estação GPS/IGS permanente em La Plata, Província de Buenos Aires, e duas outras em fase de implementação em Salta e Rio Grande (Terra do Fogo). Citou, ainda, alguns projetos locais e regionais em que a Argentina está envolvida, entre eles:
POSGAR-GEAR - Medições para determinação do Geóide Argentino;
SIRGAS - Sistema de Referência Geocêntrica para a América do Sul;
SAGA - Atividades Geodinâmicas sul-americanas; e,
GIANT - Geodinâmica na Antártica.
Conclui afirmando que "a importância do monitoramento preciso do nível do médio do mar se fundamenta na própria definição de Geóide".

"Superfície equipotencial do campo de gravidade terrestre, incluído o efeito da rotação, ajustada ao nível médio do mar, corrigido pelos melhores modelos disponíveis de circulação oceânica, pressão atmosférica, ventos e demais perturbações externas".

Afirmou, ainda, que, em dez anos, toda estação maregráfica que não dispuser de posicionamento permanente, GPS ou similar, será considerada uma estação de Segunda classe.

3 - Altimetria com a utilização de satélites

Este tema foi coberto em três palestras de cerca de 90 minutos cada, pelo Dr. Victor Zlotnicki, da Divisão de Ciências da Terra e Espaciais do Instituto de Tecnologia da Califórnia (USA). O referido pesquisador procurou direcionar suas apresentações para dois objetivos principais:
I) explicar os processos de medição do nível do mar utilizando altimetria por satélite, com ênfase na precisão dos dados, e nas precauções necessárias para sua obtenção e processamento e, II) apresentar os principais modelos numéricos de marés, em águas profundas (superiores a 2000 m), a partir de dados de altimetria por satélite, a precisão de seus resultados, bem como aplicações costeiras.

O satélite altimétrico é capaz de medir sua cota em relação à superfície do mar por meio de um instrumento denominado "altímetro de radar". A maioria dos satélites altimétricos possuem órbitas em torno de 700 a 800 km de altitude, exceto o TOPEX/POISEIDON, cuja órbita está situada em torno de 135 km acima da superfície do mar. Se prestam com propriedade para medições do nível do mar em águas profundas e afastadas da Terra. Em águas rasas, a amplitude das oscilações e sua variação horizontal aumentam e, em função da metodologia de coleta e dos parâmetros de medição, fazem com que os resultados se tornem inaceitáveis. Torna-se, ainda, necessário produzir diversas correções altimétricas e oceanográficas de forma que o processamento de dados de altimetria por satélite é deveras complexo e não pode ser executado fora dos centros especializados. O conhecimento das condições oceanográficas e meteorológicas, em escala global, é de importância fundamental para o acerto das correções. Um dos processos utilizados para controle de qualidade dos dados é a comparação entre diversos satélites altimétricos. Para tal, se utilizam dados de marégrafos que, se não podem fornecer uma calibração absoluta de um sistema altimétrico, fornecem excelentes resultados na calibração relativa entre dois satélites.

Pode-se concluir que a utilização de satélites altimétricos ainda não é adequada para a maioria das aplicações práticas de medições de marés. Entretanto, trata-se de uma ferramenta importante para monitoramento do nível do mar em escala global, com aplicações importantes na Geodesia, sobretudo se for utilizado o conceito de posicionamento em quatro dimensões, conforme citado no item anterior.

4 - Alterações no nível médio do mar a partir de mudanças climáticas

Este assunto foi abordado em duas palestras pelo Dr. David Pugh do Centro Oceanográfico de Southampton, Grã-Bretanha. O Dr. Pugh atua também com "Chairman" do Grupo de especialistas para a revisão do Plano de Implementação do GLOSS. O seu trabalho foi calcado na importância do monitoramento contínuo do comportamento do nível do mar em função das mudanças climáticas, de forma que providências sejam tomadas, em tempo hábil e ao menor custo possível, para defender as populações e bens afetados por uma possível elevação. A comunidade científica especializada já aceita um aumento do nível médio do mar, em termos globais, de 20 cm/100anos, analisando somente dados oriundos de marégrafos. Essas apresentações foram baseadas em dois artigos de autoria do referido pesquisador. "Sea-level change and challonga", publicado na revista NATURE & RESOURSES, vol. 26, No 4, 1990, e "Costal Sea Level Prediction for Climate Change", ainda não publicado.

Sua apresentação foi iniciada com a pergunta - Por que medir o nível médio do mar?

Pesquisas no âmbito de programas internacionais, como o "Global Change", indicam um aquecimento global do planeta, com uma tendência natural para a elevação do nível dos oceanos. Estima-se que uma elevação do nível do mar de 1m até o ano 2100 traria prejuízos da ordem de US$ Um trilhão, a menos que providências sejam tomadas, no intuito de construir estruturas de contenção e/ou efetuar a migração das populações potencialmente afetadas. Os custos dessas providências serão inversamente proporcionais à capacidade de previsão da velocidade com que o nível do mar vai se elevar. Para a Engenharia Civil, e outras atividades, não interessam apenas o nível médio do mar, mas também as condições externas de preamar, baixa-mar, e os efeitos meteorológicos. Não se esperam mudanças significativas de maré em oceano aberto, uma vez que as forçantes astronômicas não sofrerão alterações significativas na escala de tempo em que se pretende trabalhar (100 anos). Entretanto, junto à costa e em águas restritas a onda de maré sofre influências da batimeria local, da conformação da bacia (passível de ser alterada por fatores naturais e pela ação do Homem), e por alterações climáticas. Não se têm, no momento, condições de quantificar a influência das alterações climáticas na freqüência com que ocorrem tormentas, mas sabe-se que um aumento da temperatura da superfície do mar provocada pelo aquecimento global favorece a formação de furacões.

A elevação do nível do mar não será uniforme em todas as regiões do Globo.

As tendências variam de região para região com a metodologia de tratamento e a origem dos dados. Normalmente essas tendências são obtidas por ajustes de curvas em cima de dados de nível médio mensal. A melhor maneira de se melhorarem as projeções é reduzir a variância do conjunto de dados.

As variâncias dependem da precisão das medidas e dos "ruídos" que alteram as medições. Esses "ruídos" possuem origem variada: pressão atmosférica, ventos, correntes, tsunamis, descarga de rios e movimentos tectônicos.(Até bem pouco tempo, não se podiam distinguir os movimentos da crosta terrestre das variações do nível do mar. Hoje, esses movimentos podem ser mensurados e removidos das séries de dados por meio de técnicas associadas à VLBI e DGPS.). Quanto menor a variância, maior a precisão da curva de ajustes, e melhor será, teoricamente, o planejamento da aplicação de recursos para a defesa de área ou remanejamento de bens e populações. O desafio consiste em converter o "ruído" em "sinal" relacionado a causas identificáveis, como as descritas acima, que podem ser removidas de forma a suavizar as séries. Para o Dr. Pugh, dados provenientes de satélites altimétricos ainda não estavam sendo considerados para divulgar tendências, uma vez que as séries ainda são muito curtas.

A utilização de séries temporais de nível médio do mar para ajustar curvas e, a partir destas extrapolar tendências, carece de uma avaliação cuidadosa. O dilema consiste em iniciarem-se as providências de defesa baseadas em séries imprecisas, o que pode levar a resultados inadequados ou pouco aceitáveis, em termos de custo, ou então esperar mais vinte anos por 'séries' de dados mais confiáveis. Segundo Dr. Pugh, essa última opção parece arriscada, sobretudo em áreas sujeitas a inundações. A decisão de esperar será mais aceitável somente quando não houver dados disponíveis. Nos demais casos, deve-se procurar reduzir o "ruído" nas séries disponíveis.

5 - Análise harmônica e previsão de marés

Este foi o tema de duas aulas. Uma teórica, ministrada pelo Dr. Afrânio Rubens de Mesquita, Professor Titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP). Discorreu sumariamente sobre as forçantes astronômicas que governam o potencial gerador de marés e explicou a metodologia de análise harmônica, segundo o processo de Doodson, 1921. Esse método ainda se encontra em vigor até os dias de hoje, e é ministrado nas principais escolas de Hidrografia e Oceanografia. A outra aula, prática, foi ministrada pelo engenheiro Enrique D'Onófrio do SHN. Orientou um exercício prático, nas dependências do Estado Mayor General de la Armada. Foram distribuídos, entre os participantes, cópias dos programas de análise e previsão maregráficas (em espanhol) utilizados pelo programa TOGA (Tropical Ocean Global Atmosphere), além de instruções de sua instalação e operação. Foi fornecida uma série de alturas horárias da estação maregráfica de Mar Del Plata. Esse material permitiu a realização de diversos exercícios.

6 - Outras explicações

Cada um dos participantes, exceto os docentes convidados, fez uma breve apresentação sobre suas instituições de origem e o desenvolvimento do setor de marés e nível do mar em seus respectivos países. Seguem-se os pontos principais de cada apresentação.

A meteorologista Paula Etala, do SHN, mostrou como foi idealizada a modelação de estações climatológicas mais ao Sul, a partir do qual a onda de maré se propaga na Atlântico Sul. No entanto, tal modelo ainda encontra discrepâncias significativas com a realidade, devendo ser revisto.

De um modo genérico, todos os representantes dos países banhados pelo Oceano Pacífico mencionaram a importância da observação do nível do mar para alarmes quanto a Tsunamis.

O chefe do Programa de Circulación do Servicio Hidrográfico y Oceanografico de La Armada do Chile, Maurício Ariel Bravo Robles nos falou da rede maregráfica daquele país e da instituição a que pertence. O Chile possui dezenove estações maregráficas permanentes costeiras e insulares, das quais oito pertencem à rede do GLOSS. As estações são equipadas com marégrafos de pressão a gás, sendo algumas dotadas de transmissão remota de dados via stélite. Os operadores das estações maregráficas são especialmente preparados para a tarefa, sendo submetidos a cursos de capacitação semestralmente; no entanto, a manutenção é efetuada pelos profissionais do próprio Servicio, dando ênfase ao controle do nivelamento das referências de nível. Contrariando a recomendação do GLOSS quanto ao espaçamento entre suas estações (1000 km), devido à acidentada conformação de sua costa e às dificuldades de acesso, não possuem estações maregráficas permanentes (ou seja, somente possuem observações esporádicas) entre os paralelos 41 e 56oS; isto consiste em uma problemática assumida pelo expositor que está sendo minimizada com a tentativa de recente instalação de uma estação permanente na área.

A colombiana Eunice Ñañez Martinez, mostrou a missão e a atividade da "Oficina de Cooperación Científico-Técnica para el Estudio del Cambio Global". Segundo a chefe do referido Escritório, os marégrafos são dotados com transmissão remota dos dados, havendo equipes regionais tecnicamente preparadas, responsáveis por sua manutenção e observação. Atualmente possuem cinco estações instaladas, onde três pertencem à rede do GLOSS; está prevista a ativação de outras três.

As apresentações dos participantes da Argentina mostraram como é grande a preocupação em relação a inundações ocasionadas pelas flutuações do nível médio do mar em curto período de tempo, sempre associadas a efeitos meteorológicos (basicamente representados por ventos de Sul-Sudeste, Sudestada em linguagem local). Com isso, elaboram previsões anuais e de curto período (doze horas), sendo publicadas nas Tábuas das Marés e no Boletim de Maré respectivamente. Possuem sete estações maregráficas no GLOSS, sendo uma na Antártica. Não mais possuem o marégrafo "new generation", desenvolvido e fornecido pela NOAA para testes.

O Alferez-de-navio Germán Daniel Martella Gallo, do Servicio de Oceonografia, Hidrografia y Meteorologia de La Armada Uruguaya (SOHMA) apresentou a missão de sua instituição e um estudo da variação do nível do mar em Montevideo, única estação uruguaia pertencente à rede do GLOSS. Esse estudo fora apresentado no primeiro número da News Letter.

O engenheiro equatoriano Nelson Gerardo Paredes Terán apresentou a rede maregráfica de seu país, sendo duas do GLOSS.